São Paulo – O sociólogo Luiz Eduardo Soares, que deixou a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) em outubro de 2003, diz que o governo Lula engavetou o Plano Nacional de Segurança Pública. Segundo ele, o governo não tem o interesse de promover reformas na área, com a implementação do Sistema Único de Segurança Pública (Susp) – um compromisso de campanha que modificaria a configuração das polícias no País. Veja a seguir trechos da entrevista concedida à Agência Estado:
– Por que o Susp não foi em frente?
Luiz Eduardo Soares – Durante o primeiro ano de governo, quando eu estive na secretaria, o Susp começou a ser implementado com uma negociação que envolveu os 27 governadores, para que as reformas fundamentais nas instituições policiais acontecessem. O segundo passo indispensável não foi dado, que era a normatização do Susp, ou seja, a transformação em projeto de lei. Eu saí da Senasp no momento em que o presidente e o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, prometiam que a normatização ia acontecer. Isso não aconteceu e foi engavetado de vez. Outro ponto fundamental e que viria junto da proposta de emenda constitucional era a desconstitucionalização das polícias. Isso significaria a transferência para os Estados do poder para definir o modelo de polícia mais adequado a sua realidade. Hoje temos um modelo no qual se injeta toda a realidade nacional. Sabemos que não funciona.
– Quais teriam sido os motivos para o engavetamento do projeto?
Soares – Vou dar duas especulações, pois eu nunca tive acesso à verdade. O Exército pode ter se sensibilizado negativamente com a desconstitucionalização, pois isso implicaria o rompimento do cordão umbilical, que até hoje liga as PMs ao Exército. A segunda possibilidade, que é mais óbvia para mim, é a seguinte: o próprio ministro disse à imprensa que o presidente não queria trazer para a ante-sala do gabinete presidencial a pilha de cadáveres que vai se acumulando pela nossa insegurança pública. Assim, ele não se expõe a cobranças, críticas, desgaste político. As mudanças não aconteceram e os governadores reclamam que os repasses diminuíram. Sobre os repasses veja o seguinte: o presidente Fernando Henrique criou o Fundo Nacional de Segurança Pública e aumentava 20% a cada ano. Na oposição, achávamos isso muito pouco. Quando Lula assumiu, já tinha o orçamento feito do ano anterior e cabia ao fundo R$ 404 milhões. Quando saí, houve um corte de mais R$ 160 milhões. Sobraram R$ 240 milhões. De 2003 para 2004, os R$ 404 milhões desceram para R$ 360 milhões.
– É possível existir política de segurança com essa redução?
Soares – Dá para existir política de segurança pública com verba zero, se houvesse coragem política de cumprir o compromisso do plano. Seria uma mentira dizer que, por falta de recursos, não se fez nada. Nosso plano prevê uma série de iniciativas que custam zero e que são inadiáveis e consensuais. São dois problemas: um é o do recurso, que é real, mas é um sintoma, é o retrato de uma decisão política de não investir e não operar mudanças.
– O que mudou na gestão da secretaria no governo Lula?
Soares – O nosso plano indicava um outro planeta. Ele foi aceito, endossado e, na hora de dar o segundo passo, não fez isso e cortou recursos. Nós nos perdemos. É uma frustração imensa e a diferença que o governo Lula faria, que seria a implantação do plano, admirado pelo Banco Mundial, pelo grupo do Fernando Henrique, pelos adversários, está na gaveta.
– Como o sr. vê a Força Nacional, criada em agosto ao custo de R$ 20 milhões para treinar 1.500 homens e que atuou uma vez, no Espírito Santo?
Soares – Acho que é muito importante criar uma Força Nacional. Essa idéia surgiu quando eu era secretário, só que a proposta não era que a força se destinasse ao trabalho de patrulhamento ostensivo, mas que fosse um grupo de elite de investigação do crime organizado. Mas o ministro achou melhor fazer da força uma espécie de Guarda Nacional, com presença ostensiva. Acho uma boa idéia, continuo achando que a minha proposta era mais urgente. Não posso negar que ela é útil, porque o governo não pode depender só do Exército. Mas isso nem de longe responde às questões da segurança pública. É um esparadrapo diante da cirurgia profunda que teremos que fazer.