Comandante-geral da Polícia Militar pelo período de um mês e Comandante-geral do Corpo de Bombeiros Militar em mais de uma ocasião, o Cel Edgard Kampcke Pereira é de um tempo em que a carteira de identidade da PMSC não havia chegado ao n. 50. A sua, inclusive, é n. 47, o que denuncia as décadas transcorridas entre seu ingresso como Oficial e sua condição de Reformado, desfrutada na companhia da esposa, dos macacos, tucanos e passarinhos que visitam o belo refúgio da família em Florianópolis.
Ao contrário de hoje, quando nutre total consciência e orgulho dos serviços prestados pela polícia e o corpo de bombeiros, o jovem Edgard entrou para o Curso de Formação de Oficiais sem ter consciência do que a profissão prometia e exigia. Estimulado por um amigo, trocou São Francisco do Sul por Florianópolis nos anos 1950, assim que concluiu o Ginasial, dando a largada na profissão que o absorveu por 35 anos.
Por Merecimento, passou a ser 2º Tenente em 1953, 1º Tenente em 1957, Capitão em 1959, Major em 1968, Tenente-coronel e 1971 e Coronel em 1976, passando para a Reserva em 1980, após ocupar os mais altos cargos da corporação, promover mudanças em vários setores e trazer prêmios nacionais para Santa Catarina. As equipes que integrava, por exemplo, tiraram 1º lugar no Campeonato Brasileiro de Esgrima, em uma das modalidades, e 1º lugar em uma competição de tiro de fuzil, em Minas Gerais.
“Era uma época romântica da Polícia Militar, a sociedade valorizava a corporação, vibrava com as fardas, convidava os Oficiais para participarem de bailes e solenidades. Desde o inicio eu me identifiquei com a vida militar”, conta o Cel Edgard, que serviu em Canoinhas, Herval D’Oeste, Chapecó, São Francisco do Sul e Florianópolis. Em Canoinhas, ainda eram muito vivas as memórias da Guerra do Contestado, a ponto de a PMSC implantar um quartel e promover um grande desfile de 7 de Setembro, “para marcar presença”.
Da quarta geração de Delegados de São Francisco do Sul, o que inclusive é registrado em um dos museus da cidade, o Cel Edgard sucedeu seu pai no posto, pois é de um tempo em que Oficiais Militares desempenhavam a função hoje restrita a policiais civis. Mas suas maiores contribuições se deram mais tarde, já na Capital, quando plantou a semente do futuro Centro de Ensino da PMSC. Naquela época, o amplo terreno abrigava apenas uma olaria deficitária, enquanto o lote do CBMSC, de tão abandonado, era gradualmente invadido por vizinhos.
O Comandante-geral, Cel Lara Ribas, planejava transferir a Cavalaria da PM para o sub-distrito da Trindade, um bairro tão distante que nem por linhas de ônibus era servido. Responsável pela formação dos recrutas – com pouca instrução ou analfabetos, e portanto suscetíveis aos vícios e conduta irregular de soldados antigos – o Cel Edgard logo conseguiu apoio para transferir o curso para a Trindade, junto com a Cavalaria. As instalações do “internato” eram tão precárias que a educação física consistia em limpar o terreno.
Com destacada atuação, de greves de ônibus a revistas na penitenciária, a Cia Escola passou a chamar a atenção. Foi o próprio governador do Estado, Celso Ramos, quem solicitou ao então Cap Edgard que fizesse uma revista surpresa na penitenciária. “Ele nos mandou pôr ordem, dentro da lei. Encontramos até dinamite sem dar um único tiro”, lembra. Na sequência a Polícia Militar assumiu a segurança do local.
Outras boas lembranças do Cel Edgard, que veio a ser comandante da Cia Escola, são a criação do estandarte da Escola de Cadetes, usado até hoje, e a fundação da Sociedade Hípica, uma parceria entre a Cavalaria da PM e os civis interessados em equitação que frequentavam o local nos fins de semana. Na primeira gestão da entidade, que se mantém em atividade até hoje, o Cel Edgard assumiu como vice-presidente. Paralelamente às iniciativas em prol do ensino, o próprio Oficial buscava ampliar sua formação.
Entre as capacitações que realizou ao longo da carreira estão estágios na Academia Internacional de Polícia em Washington DC e nas Academias de Polícia da Filadélfia e de Nova York; cursos para instrutor de esgrima, controle de distúrbios civis e operações de patrulha; Aperfeiçoamento de Oficiais e Curso Superior de Polícia, ambos na Brigada Militar do RS, Técnica de Ensino na Marinha de Guerra do Brasil, Ciclo de Segurança e Desenvolvimento, Curso de Segurança de Empresas e Curso de Supervisor de Segurança do Trabalho.
O apreço pelas causas da corporação também levou o Cel Edgard a “investigar” a propriedade de um terreno em frente ao Clube de Tiro, hoje Associação Barriga Verde de Oficiais. Logo ficou evidente que o terreno ameaçado de invasão pelos vizinhos pertencia ao Corpo de Bombeiros, ainda que nem o Comando-geral nem outras repartições ligadas ao patrimônio do Estado tivessem ciência disso. Imediatamente os cavalos foram transferidos para o lote, a fim de ocupa-lo e preservá-lo, garantindo a posse do terreno que hoje abriga o Centro de Ensino CBM.
Ao longo da profícua carreira – que inclui postos dentro e fora das corporações militares, pois foi Delegado Especial de Polícia em Canoinhas e interventor dos Correios em Joaçaba, o Cel Edgard tomou partido em uma série de inovações, como a contratação de um veterinário para tratar dos cavalos, que até então eram cuidados de forma empírica; as primeiras palestras com professores universitários, que ventilaram a necessidade de um corpo docente mais qualificado no Centro de Ensino; e a criação das Diretorias subalternas ao Comando-geral, sendo ele o primeiro Diretor de Pessoal da PMSC.
Desempenhando as mais altas funções na Polícia Militar e no Corpo de Bombeiros Militar, o Cel Edgard foi Ajudante Geral no Estado Maior, Chefe do Estado Maior-geral, Chefe da Casa Militar no governo de Colombo Sales, Juiz da Justiça Militar, Comandante-geral da PMSC em período de licença do titular, que era Coronel do Exército, e Comandante-geral do CBMSC. À parte, foi também presidente do Clube de Oficiais, assessor na Prefeitura de Florianópolis, assessor na presidência do CIASC e diretor-tesoureiro na Cruz Vermelha local.
Pai de um casal, avô de três netos, casado há 57 anos com a d. Cecy que, como ele, goza de plena saúde, o Oficial de 83 anos contempla a distância as mudanças das corporações, certo de que seu lema permanece atual: “quando um policial agride alguém é sinal de que a democracia está em perigo”. Entre as medalhas e homenagens, expostas na sala da casa confessando o saudosismo da profissão que abraçou, estão a do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro, Militar em prata e em bronze da PMSC, do Mérito Anita Garibaldi, do Sesquicentenário da PMSC; e outras honras concedidas pela Associação dos Veteranos da Força Expedicionária Brasileira, pelo Ministério da Educação e Cultura, e pela Comissão de Alto Nível.
Aos Oficiais de hoje, protagonistas de avanços permanentes, o Coronel Reformado que não raro se vê diante do Quartel do Comando-geral, observando da praça o cenário de toda a sua mocidade a serviço das corporações militares, dedica um conselho perfeitamente alinhado às pressões do mundo moderno: “Quem pensou ontem e não agiu hoje, perdeu o amanhã”.
ENTREVISTA E REDAÇÃO: jornalista Ana Lavratti – jornalista@acors.org.br