PM PODE LAVRAR B.O
O Tribunal de Justiça de São Paulo determinou que policiais militares podem lavrar Termos Circunstanciados, assumindo tarefa que, até agora, era exclusiva da Polícia Civil.
A deliberação, ao mesmo tempo em que valoriza o profissional do policiamento, aumenta a sua responsabilidade e pode derivar, a médio prazo, para um aumento da respeitabilidade da PM e da qualidade dos serviços prestados.
A prerrogativa limita-se a casos como acidentes com lesões leves, brigas, agressões, e outras pequenas ocorrências. Os Termos Circunstanciados devem ser assinados também por um oficial da corporação. O relatório deve ser, posteriormente, encaminhado para o juiz da região.
O Provimento, aprovado pelo Conselho Superior da Magistratura e assinado no dia 23 de agosto, tem base na Lei 9.099, que regulamentou o funcionamento dos Juizados Especiais Criminais.
Havendo necessidade de perícia técnica, o policial deverá encaminhar o autor ou a vítima para o órgão competente da Polícia Técnico-Científica, que depois encaminhará o resultado para o juiz da área onde ocorreu o fato.
De acordo com o Provimento, os policiais militares têm a autorização para resolver a ocorrência no próprio local.
Para o consultor em Direito Criminal, Luiz Flávio Gomes, a polêmica em torno do assunto cinge-se ao aspecto político. “Juridicamente, não se pode invocar qualquer nulidade no Termo lavrado por PM”, afirma, lembrando que apenas os atos previstos para “autoridades policiais de carreira” são privativos de delegado concursado.
Até porque, lembra o professor, em pelo menos metade do país – ou seja, em cerca de 2.800 municípios brasileiros – não há delegacias e as ocorrências policiais já são reportadas por policiais militares.
Do ponto de vista prático, o PM teria até melhores condições de descrever os fatos, uma vez que ele comparece ao local, tem noção mais precisa do que ocorreu e ouve as testemunhas.
Ainda que se questione o grau de preparo dos PMs em geral – o que pode ser solucionado com cursos – a corporação tem dado exemplos vistosos de capacitação. No caso do recente seqüestro da filha de Sílvio Santos e do próprio apresentador, foi um PM, o capitão Lucas, que se desincumbiu da negociação com grande competência. Enquanto isso, para ficar no mesmo episódio, um delegado, incompreensivelmente, foi ao esconderijo do seqüestrador e só levou de lá o dinheiro da extorsão, deixando lá as armas do criminoso.
Livres das ocorrências mais corriqueiras, as delegacias poderão também cuidar com mais disponibilidade das investigações mais complexas que envolvem o crime organizado e delitos de ordem econômica, argumenta o criminalista Luiz Flávio Gomes que, em sua carreira, já foi delegado, promotor e juiz.
Leia o ato e os pareceres que lhe deram origem:
Íntegra do Provimento que permite à PM lavrar Termo Circunstanciado
Provimento nº 758/2001-09-14
Regulamenta a fase preliminar do procedimento dos Juizados Especiais Criminais.
O CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA, no uso de suas atribuições legais,
CONSIDERANDO o decidido no Processo CG-8511/00;
CONSIDERANDO os princípios orientadores do procedimento do Juizado Especial Criminal, que são a oralidade, a simplicidade, a informalidade, a economia processual e a celeridade,
RESOLVE
Artigo 1º – Para os fins previstos no art. 69, da Lei 9.099/96, entende-se por autoridade policial, apta a tomar conhecimento da ocorrência, lavrando o termo circunstanciado, encaminhando-o, imediatamente, ao Poder Judiciário, o agente do Poder Público investido legalmente para intervir na vida da pessoa natural, atuando no policiamento ostensivo ou investigatório.
Artigo 2º – O Juiz de Direito, responsável pelas atividades do Juizado, é autorizado a tomar conhecimento dos termos circunstanciados elaborados pelos policiais militares, desde que assinados concomitantemente por Oficial da Polícia Militar.
Artigo 3º – Havendo necessidade da realização de exame pericial urgente, o policial militar deverá encaminhar a autor do fato ou a vítima ao órgão competente da Polícia Técnico-Científica, que o providenciará, remetendo o resultado ao distribuidor do foro local da infração.
Artigo 4º – O encaminhamento dos termos circunstanciados respeitará a disciplina elaborada pelo Juízo responsável pelas atividades do Juizado Especial Criminal da área onde ocorreu a infração penal.
Artigo 5º – Este provimento entrará em vigor na data de sua publicação.
São Paulo, 23 de agosto de 2001.
Márcio Martins Bonilha
Presidente do Tribunal de Justiça
Álvaro Lazzarini
Vice-presidente do Tribunal de Justiça
Luís de Macedo
Corregedor Geral da Justiça
Veja os pareceres que deram base ao Provimento nº 758/2001
Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral:
1 – Representou o Coronel Rui Cesar Melo, Digníssimo Comandante Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Consultou da possibilidade de a Corregedoria Geral da Justiça expedir ato para disciplinar a aplicação do artigo 69 da lei federal nº 9.099/95.
Invocando orientações preconizadas pelo Colégio dos Desembargadores Corregedores Gerais da Justiça do Brasil, em encontro realizado no Maranhão em março de 1995, bem como o texto do Provimento nº 4, editado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, além de outros documentos igualmente relevantes, pretendeu o Senhor Comandante Geral a introdução no conceito de “autoridade”, estampado no acima referido artigo 69, também da figura do agente Policial Militar, habilitando-o a lavrar termos circunstanciados quando de ocorrências pertinentes aos delitos de menor potencial ofensivo (vide fls. 4).
É o resumo do necessário.
2 – São Paulo é o mais populoso Estado da federação, com parque industrial comparável ao de grandes nações do mundo ocidental. Não é de se estranhar a terrível magnitude dos números de procedimentos criminais em curso, das execuções de sentença penal, da movimentação de presos pelas unidades prisionais e da carência de vagas nos regimes fechado, semi-aberto e aberto. Os montantes são assustadores e a tendência é o persistente agravamento da situação presente.
Adotar parâmetros de outros membros da federação nem sempre se mostrou adequado. Nenhum outro dos Estados brasileiros tem história contemporânea tão agitada como a nossa, nem tão peculiar conformação social, muito menos estatística tão densa.
Outrossim, a crise econômica que assola todo o país restringiu os investimentos no aparelho estatal, especialmente em São Paulo, e com rigor particular no seu Poder Judiciário e nas instituições afins. Nesta perspectiva, parece incontroverso que o aumento da atividade delinqüencial teve dentre seus motes a defasagem tanto dos textos normativos como da infra-estrutura oficial de prevenção e repressão.
3 – Parece relevante mencionar também que o sistema tradicional de inquéritos policiais precisa ser urgentemente revisto. Está exaurido. Tem comprometido a eficácia da norma penal. E eficácia – como conceito técnico – é o reconhecimento pelo jurisdicionado do Direito Posto (a norma escrita).
O avanço do crime, gerando clima de perplexidade e insegurança no seio do Povo, dá conta da necessidade premente de reestrutura do ordenamento processual, não só para ampliar a margem de acerto e a celeridade das investigações policiais, como também, e principalmente, para fazer da sanção penal elemento de estímulo para os bons e desassossego para os maus. Coerção é sinônimo de ordem. Menor o poder sancionador, maior a atividade criminosa, em todos os escalões, seja no dos crimes mais graves, seja no dos delitos de bagatela.
O texto constitucional, porém, reservou aos parlamentares federais atribuição para editar normas de natureza processual penal (artigo 22, inciso I), sem as quais impossível solucionar a complexa série de defasagens temporais vivenciadas pelo operador do Direito Penal. Ou seja, ainda que sendo o Estado de São Paulo uma unidade peculiar, mesmo assim fica submetido a uma ordem nacional, quase impossível de ser alterada.
Oportuno, portanto, hierarquizar os problemas verificados no cotidiano exercício da jurisdição criminal.
As propostas para os delitos mais sérios, dentre eles o exame do Juizado de Instrução, ficará para o foro e momento próprios.
Imprescindível, entretanto, a urgente modificação do aparelho judiciário para imprimir maiores rapidez e efetividade no conhecimento das interações de natureza penal.
O que, data máxima vênia, não se pode continuar fazendo é dar tratamento igualitário àquelas duas categorias absolutamente distintas de infringências penais. E é neste ponto que surge o presente parecer.
Indagamos: seria do interesse do Estado manter a mesma estrutura investigatória para todas as infrações criminais, as mais graves e as de cunho singelo? Cremos que não.
4 – Notório é que a grande massa de acontecimentos de interesse criminal está situada naquela faixa de delitos de menor ofensividade, quais sejam, as contravenções e os crimes apenados com até no máximo hum ano de reclusão, detenção ou prisão simples. Estes, abarcados na sobredita lei federal nº 9.099/95 (cuja delimitação decorre de seu artigo 61), mereceram tratamento procedimental abreviado pelos critérios da oralidade, informalidade, economia processual e celeridade, voltando-se exclusivamente para duas finalidades precípuas: a) conciliar os desafetos, tratando, no próprio ato perante Juiz de Direito e Promotor de Justiça, da retratação ou da recomposição de danos; b) e, num segundo momento, em fracassando a transação, realizar a prestação jurisdicional a propósito do mérito da causa com edição de sentença, quando desnecessárias outras dilações investigatórias.
Convenhamos, prestigiar dito procedimento equivale a restaurar com maior agilidade a ordem pública, bem como angariar maior efetividade para a norma penal. A aludida vitimização secundária, o desperdício de tempo em repartições policiais sobrecarregadas de outras ocorrências, imobilizando partes e agentes da autoridade, se desvaneceria.
Neste diapasão, à evidência que a morosidade e a burocracia têm amealhado descrédito para os comandos legais e para a própria máquina estatal diante da população, deixando a incorreta impressão de impunidade para os que desconhecem as minúcias do sistema.
Face tais circunstâncias, tem a Corte interpretado a apreensão popular, colaborando perenemente com o Executivo, no sentido de minimizar as drásticas consequências decorrentes da insuficiência de recursos. Uma das soluções colocadas em prática, no especial sentido de simplificar a prestação jurisdicional, veio com a efetiva implementação da lei federal nº 9.099/95. Com ela, simplificou-se o conhecimento pela Justiça das interações mais comuns que afligiam – e continuam afligindo – grande parcela da população. E no rol destes temas estão os já mencionados delitos de pequeno potencial lesivo.
A propósito, plano piloto de instalação do Juizado Criminal está sendo testado na área pertinente ao Fórum Regional de Itaquera – capital. As planilhas dos movimentos dos meses de junho, julho e agosto do corrente ano, daquela unidade judiciária, acompanham o presente parecer.
Considerando tal quadro, relevante reexaminar o texto do artigo 69 daquele diploma legal. E é aqui que exsurge o questionamento proposto pelo Comandante Geral.
5 – Tem o legislador, de tempos para cá, paulatinamente desconfigurado a tradição de concentrar a atividade de polícia judiciária na Polícia Civil. Para tanto oportuno recordar o direito objetivo pertinente à apuração dos crimes falimentares, o inquérito civil público, a lei que trata da repressão ao crime organizado, bem como a redação em aberto do já invocado artigo 69 da lei 9.099/95.
A propósito, em simpósio realizado em outubro de 1995, patrocinado pela Escola Nacional da Magistratura, o Desembargador Sidnei Benetti enfrentou a questão com o tirocínio e a coragem que lhe são peculiares, ao examinar o sistema especialíssimo dos juizados especiais criminais e a competência para receber aquelas notitia criminis: “O conceito de um sistema bem mostra a idéia de um todo, e um todo congruente em si. Esse sistema é como que um microssistema, integrando um outro sistema jurisdicional, que é o sistema tradicional de legislação do serviço público de Justiça. Assim, trata-se de alguma coisa que se fecha em princípios e postulados próprios. Abre-se uma brecha na atividade de serviço da justiça tradicional, e se transfere para um novo organismo, que compõe esse sistema no organismo jurisdicional geral, a competência para conhecer e julgar tipos penais” (mencionado por José Arnaldo da Fonseca, in Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo, ano 3, nº 5, jan/jul-2000, pág. 48).
Em outras palavras, excluem-se do sistema tradicional certas infrações, por política criminal, exatamente para angariar maior eficácia à norma penal e contribuir com o escopo central de restabelecer a ordem, respeitadas as categorias de delitos já suscitadas. Aquelas enumeradas no invocado artigo 61 serão tratadas com maior agilidade e menor formalidade.
Nesta ótica, não parece – salvo o melhor juízo de Vossa Excelência e de seus Augustos pares – despropositado o emprego da hermenêutica, mais precisamente da interpretação extensiva, para reconhecer que, respeitados certos parâmetros, a Polícia Militar também estaria habilitada à lavratura dos aludidos termos circunstanciados. Se os juizados criminais, previstos na ordem constitucional federal (artigo 98, inciso I), vieram para resolver de pronto as interações mais simples, aquelas em que a prova está formada, nada sugere a insistência na onda da burocracia apenas para preservar interesses corporativos.
O agente policial de rua, civil ou militar, para os fins previstos na lei federal nº 9.099/95, pode encarnar a figura da autoridade policial. Salutar, porém, estejam sob perene supervisão de seus superiores hierárquicos. E, aproximando as duas estruturas policiais, que, convenhamos, são absolutamente distintas, podemos concluir que os Oficiais têm, na Polícia Militar, função supervisora atribuída aos Delegados de Polícia na correspondente Civil.
Não vislumbramos necessidade de absoluto domínio técnico da Ciência do Direito para preenchimento de formulários descrevendo os sujeitos da relação jurídico-penal, identificar testemunhas, bem como enunciar o fato, uma vez que, em não se logrando sucesso na composição de danos e/ou conciliação, o juízo de tipicidade competirá ao membro do Ministério Público.
Aliás, da mesma opinião desfrutou o grupo de coordenadores de juizados especiais, que, através do enunciado 34 do VII Encontro Nacional de Coordenadores de Juizado Especial, lavrou escólio no sentido de que “atendidas as peculiaridades locais, o termo circunstanciado poderá ser lavrado pela Polícia Civil ou Militar” (doc. em anexo).
Repita-se que os efeitos práticos da adoção desta rotina seriam de fácil visualização: a) a redução de ocorrências levadas aos abarrotados distritos policiais; b) a diminuição de tempo desperdiçado pelos agentes policiais militares (vide doc. em anexo); c) conseqüente maior rapidez na solução do conflito; d) e, por tabela, contenção de gastos de responsabilidade da administração pública.
Um sem número de ocorrências poderia ser de pronto e diretamente comunicado ao Judiciário, através do preenchimento de termos circunstanciados, com dados suficientes para protocolização no Ofício do Distribuidor pertinente, permitindo que unidades civis e militares ficassem disponibilizadas para tornar ao policiamento de rua e à investigação de crimes mais graves, desburocratizando pela informalidade seu trabalho, esvaziando os plantões dos distritos, liberando em especial os Delegados de Polícia para atividades mais adequadas à relevante formação jurídica da qual dispõe.
Parece ter sido este o intento preciso do legislador de 1995, para o que lavro o presente, no sentido de reabrir discussões acerca do assunto.
6 – Relevante, ademais, resolver sobre a operacionalização do sistema que se propõe implantar, questão que passa pela elaboração dos laudos periciais eventualmente necessários para comprovação material do fato pretensamente criminoso, o que fica constando na sugestão de provimento em anexo.
Por derradeiro, respeitosamente, entendemos que estabelecer regras gerais e suplementares sobre diligências em inquéritos policiais (analogicamente é a situação em apreço) está dentre as atribuições daquele Colendo Conselho, por força do artigo 216, inciso XXVI, letra D, nº 1, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça.
Em outras palavras, para conhecimento e regulamentação da propositura da Polícia Militar do Estado de São Paulo, imprescindível colher manifestações das Egrégias Presidência e 1ª Vice Presidência do Tribunal de Justiça.
7 – Ante o exposto, respeitosamente, opino no sentido de que:
a) se redistribua o presente expediente ao DEMA;
b) solicitem-se manifestações dos DDs. Presidente e 1º Vice Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça, Desembargadores Márcio Bonilha e Álvaro Lazzarini;
c) Por derradeiro, que oportunamente se permita a construção de uma nova ordem institucional para conhecimento e edição de normas jurisdicionais a propósito dos delitos de pequeno potencial lesivo, com o que, também os agentes policiais militares, estariam credenciados a apresentar os termos circunstanciados para julgamento pelo Estado-juiz, regulamentando o assunto por provimento do Conselho Superior da Magistratura, cuja minuta segue em anexo, cientificando-se o Secretário de Estado dos Negócios da Segurança Pública, o Delegado Geral de Polícia e o Comandante da Polícia Militar, o Superintendente da Polícia Científica, o Procurador Geral de Justiça e o Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil.
Este o parecer que submeto à análise de Vossa Augusta Autoridade.
“Sub censura”.
São Paulo, 02 de setembro de 2.000.
ROBERTO CARUSO COSTABILE E SOLIMENE
Juiz de Direito Auxiliar da Corregedoria Geral
Em 09 de outubro de 2000, faço estes autos conclusos ao
Desembargador LUÍS DE MACEDO, DD. Corregedor Geral da Justiça. Eu,________ , Escrev. subsc.
Proc. nº 851/2000
Vistos.
Acolho o parecer da Assessoria. Com cópias do expediente, oficie-se ao DD. Secretário de Estado da Segurança Pública, Doutor Marco Vinicio Petrelluzzi, por força dos artigos 30 da lei complementar nº 851/98 e 1º da Resolução SSP-353, de 27.11.95. Ao depois, antes da remessa ao Colendo Conselho Superior da Magistratura, tornem conclusos.
São Paulo,
LUÍS DE MACEDO
Corregedor Geral da Justiça
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Excelentíssimo Senhor 1º Vice Presidente,
Trata-se de expediente em que o Senhor Comandante Geral da Polícia Militar consulta a Corregedoria Geral da Justiça sobre a possibilidade da expedição de ato normativo deste Tribunal de Justiça disciplinando a aplicação da regra jurídica contida no artigo 69 da Lei n.º 9.099/95, tal como já ocorreu em outras unidades da Federação, fazendo prevalecer a interpretação de que o agente Policial Militar possa, porque também abrangido pelo conceito legal de “autoridade”, lavrar Termo Circunstanciado relativo às infrações penais de pequeno potencial ofensivo definidas nessa lei federal.
Parecer do Doutor Roberto Caruso Constabile e Solimene, Meritíssimo Juiz Auxiliar da CGJ, devidamente aprovado pelo Senhor Corregedor Geral (fl. 93), foi juntado a fls. 44/45 propondo o acolhimento da representação, segundo minuta de Provimento, e a manifestação dos demais integrantes do Conselho Superior da Magistratura.
Os autos vieram a esta Assessoria, para parecer, por determinação de Vossa Excelência (fl. 94).
Relatos no essencial, opino.
Apesar da redação do artigo 69 da Lei n.º 9.099/95 sugerir, em seu parágrafo único – que autoriza a não imposição de prisão em flagrante ao autor do fato criminoso que for imediatamente encaminhado ao Juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer -, que a “autoridade policial” incumbida de lavrar o Termo Circunstanciado deva ser um Delegado de Polícia, que no vigente sistema repressivo penal (artigos 4º, 5º, 6º, 8º, 10º, 290, 304 e seguintes do CPP) é o agente policial habilitado a materializar, nas infrações penais comuns (não propriamente militares), a prisão em flagrante, única modalidade de prisão provisória que dispensa prévio mandado judicial (artigo 5º, LXI da Constituição da República e artigo 282 do CPP), não há nenhuma inconveniência em se interpretar extensivamente tal conceito legal (o de “autoridade legal”), porque há expressa autorização nesse sentido no artigo 3º do CPP.
E há boas razões jurídicas para tanto, como bem ressaltado no substancioso Parecer do Ilustre Doutor Roberto Solimene, até porque outros Estados da Federação – que já adotaram integralmente, alguns há vários anos, o novo sistema judiciário criminal da lei nº 9.099/95 – admitem, sem ressalvas e problemas, que os termos circunstanciados também sejam lavrados por Oficiais de Polícia Militar, assim considerados, para tanto, autoridades policiais.
A Lei Complementar Paulista, nº 851, de 09/12/98, que dispôs, com a autorização dos artigos 24, XI e 98, I da CR/88, sobre o sistema de Juizados Especiais, no seu artigo 30 determina ao Tribunal de Justiça, a Procuradoria Geral de Justiça e a Secretaria da Segurança Pública que, em atos próprios, disciplinem as atividades dos seus órgãos, funcionários e demais servidores, respectivamente, no âmbito específico da Lei Federal nº 9.099/95.
Vossa Excelência, relatando na Câmara Especial um suposto Conflito de Atribuições (art. 74, IX da Constituição Estadual) havido entre um Promotor de Justiça e um Delegado de Polícia, que foi suscitado com objetivo de se superar impasse surgido em determinada Comarca do Interior do Estado à propósito da interpretação de dispositivos da Lei Federal nº 9.099/95, com propriedade observou:
“……………………………………………………………………….
O impasse, no caso, surgiu porque ainda não há naquela Comarca a unidade judiciária (“Juizado Especial Criminal”) referida no artigo 32 da Lei Complementar Estadual nº 851/98, e, também, porque não existe a regulamentação procedimental referida no artigo 30 dessa LCE nº 851/98, incumbindo-se os juízos criminais convencionais e o TACRIM, ante tal lacuna normativa, da implicação informal dos aspectos de direito penal material da Lei nº 9.099/95.
De todo modo, achando-se o Termo Circunstanciado regulamentado, no âmbito da Polícia Civil, pela Portaria DGP nº 14, de 15/04/96, antes de deliberar, com toda liberdade que caracteriza a atividade jurisdicional, sobre os requerimentos do Promotor de Justiça em casos que tais, deve o Juiz criminal, obrigatoriamente, cumprir o artigo 72 da Lei nº 9.099/95 e designar a audiência preliminar que constitui a espinha dorsal do novo sistema decidindo sobre eventuais diligências de complementação de prova requeridas pelo Ministério Público no momento procedimental referido no artigo 77 da referida lei.
……………………………………………………………………….”
Assim, concordando plenamente com o objetivo deste expediente, no sentido de entender ser juridicamente possível a emissão de Termo Circunstanciado, também, por Oficial da Polícia Militar do Estado de São Paulo, com a adoção de interpretação extensiva da regra do artigo 69 da Lei nº 9.099/95 já consagrada há muitos anos, com o beneplácito do Colégio Permanente de Presidentes do Tribunal de Justiça (fls. 7/8), de Comissão da Escola Nacional da Magistratura (fls. 9/14) e do Colégio dos Desembargadores Corregedores Gerais da Justiça (fls. 15/18), pelo Poder Judiciário dos Estados mencionados na representação e no aludido Parecer, permito-me nesse ponto acrescentar a observação de que tal providência vem ao encontro da atual e recente orientação administrativa de integração das Polícias, Civil e Militar, paulistas.
Uma derradeira observação, entretanto, me parece cabível.
Refere-se à imperiosa urgência com que o Tribunal de Justiça de São Paulo deveria tratar de implantar em todas as Comarcas do Estado as unidades judiciais (Juizados Especiais Criminais e respectivos Conselhos Recursais) competentes para conhecer os processo relativos às infrações penais de pequeno potencial ofensivo, vencido há muito o prazo referido no artigo 32 LC nº 851/98.
Nesse sentido, aliás, Vossa Excelência, em 26/01 p.p., representou ao Senhor Corregedor Geral da Justiça com as seguintes considerações:
“……………………………………………………………………….
Lamentavelmente, o Juizado Especial Criminal, regulamentado pela Lei federal nº 9.099/95 ainda não mereceu tratamento legislativo e administrativo adequado em nosso Estado de São Paulo, onde existe apenas um desses órgãos jurisdicionais (na Capital, no Foro Regional de Itaquera, instalado há poucos meses), cabendo aos Juízos Criminais Convencionais, desde a vigência da lei federal, a aplicação das normas de Direito Penal Material também geradas pela referida lei.
Aliás, a Delegacia Geral de Polícia, em abril de 1996, baixou duas Portarias regulamentando o “Termo Circunstanciado”, no âmbito da chamada Polícia Judiciária, aguardando-se que surgisse normatização, por lei estadual e/ou pela Superior Administração do Poder Judiciário, no âmbito do Judiciário.
De todo modo, mesmo com a edição da Lei Complementar estadual nº 851/98, que dispôs sobre o sistema de Juizados Especiais em nosso Estado, remanesce vácuo normativo, em especial sobre o procedimento judicial a ser adotado ante o “Termo Circunstanciado”, a ser suprido na forma de seu artigo 30.
……………………………………………………………………….”
Ou seja, urge que se ultimem os estudos e as providências para a criação, em todo o Estado, das unidades judiciais específicas para o manejo do novo sistema criminal, em alguns casos, eventualmente, até por transformação de algumas das atuais Varas Criminais convencionais, solução que obvia os custos de instalação de novas unidades, seja para observar o mandamento legal, seja para melhor servir ao jurisdicionado, nessa quadra em que principalmente ao Poder Judiciário, e injustamente, são atribuídas todas as responsabilidades pela ineficiência do sistema repressivo criminal.
Urge, também, que sejam definidas e promulgadas, para a necessária padronização, as normas de serviço judiciário relativas ao fluxo dos processos, de conhecimento e de execução, que tratam das infrações penais de pequeno potencial ofensivo, cujo sistema, a meia carga, enquanto não são criadas as unidades judiciais específicas, vem sendo gerido pelos juízos criminais convencionais, em especial para a concretização dos aspectos de Direito Penal material também criados na Lei nº 9.099/95, mas sem nenhum parâmetro comum no que se refere aos trâmites cartorários, à audiência preliminar do artigo 72, à competência para a execução das penas não restritivas de liberdade, etc.
Ante o exposto, opino no sentido de se editar Provimento do Conselho Superior da Magistratura tal como minutado pela douta Assessoria da Corregedoria Geral da Justiça (fls. 90/92).
“Sub Censura”.
São Paulo, 27 de outubro de 2000.
PEDRO AURÉLIO PIRES MARINGOLO
Juiz de Direito Corregedor da Secretaria
……………………………………………………………………………………………
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Senhor Presidente:
A Egrégia Corregedoria Geral da Justiça propõe a edição de Provimento do Conselho Superior da Magistratura no qual fique esclarecido que a expressão “autoridade policial”, constante do “caput”, do artigo 69, da Lei nº 9.099/95, abarca todo “agente do Poder Público investido legalmente para intervir na vida da pessoal natural, atuando no policiamento ostensivo ou investigatório”.
Manifestou-se a Colenda 1ª Vice-Presidência favoravelmente.
É o relatório.
Concordo com os eminentes juízes assessores da Corregedoria Geral da Justiça e da 1ª Vice-Presidência.
Isto porque a melhor exegese da norma processual em foco é – a meu ver – no sentido de se dar uma interpretação extensiva ao vocábulo “autoridade policial”. A tanto se chega a partir de uma interpretação teleológica da lei, que há de prevalecer sobre a literalidade do texto (art, 5º, da Lei de Introdução do Código Civil).
O Juizado Especial Criminal foi criado com o escopo de simplificar e tornar mais célere a persecução penal nos delitos de menor potencial ofensivo. Não faz, portanto, sentido limitar os agentes policiais aptos a lavrar o termo circunstanciado e tomar as medidas previstas no artigo 69, da citada lei, atos estes tendentes a encetar o procedimento processual penal. Quanto maior o número de servidores públicos disponíveis para a realização da tarefa – que não envolve maiores indagações teóricas -, aumenta a probalidade da lide penal ser solvida no menor tempo possível. E não custa sublinhar que o Juizado Especial – seja Cível ou Criminal – é informado pelo princípio da informalidade (art. 2º, da citada lei), de sorte que fugiria do espírito da lei restringir o alcance da norma apenas à polícia civil.
Comentado o mencionado dispositivo de lei, ADA PELEGRINI GRINOVER, ANTONIO GOMES DE MAGALHÃES FILHO e LUIZ FLÁVIO GOMES fazem as seguintes considerações:
“Qualquer autoridade policial poderá ter conhecimento do fato que poderia configurar, em tese, infração penal. Não somente as polícias federal e civil, que tem a função institucional de polícia judiciária da União e dos Estados (art. 144, par. 1º, inc. IV, e par. 4º), mas também a polícia militar.
O legislador não quis – nem poderia – privar as policias federal e civil das funções de polícia judiciária e de apuração das infrações penais. Mas essa atribuição – que só é privativa para a polícia federal, como se vê pelo confronto entre o inc.IV do par. 1º do art. 144 e seu par. 4º – não impede que qualquer outra autoridade policial, ao ter conhecimento do fato, tome as providencias indicadas no dispositivo, até porque o inquérito policial é expressamente dispensado nesses casos (v. comentário ao par. 1º, do art. 77)” (Juizados Especiais Criminais, RT, 2ª edição, pag. 98).
Chamado a decidir a questão, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça entendeu não haver ilegalidade na utilização do contingente da polícia militar, em face da falta de contingente da polícia civil, para os fins a que alude o mencionado artigo 69 (HC 7.199-PR, rel. Min. Vicente Leal). E a situação do Estado do Paraná certamente não é diferente da deste Estado.
São, respeitosamente, as considerações que tinha a fazer.
São Paulo, 8 de novembro de 2.000.
LAERTE MARRONE DE CASTRO SAMPAIO
Juiz de Direito Assessor da Presidência