Recentemente, prefeitos da Grande São Paulo se reuniram para discutir saídas para a crise da segurança que afeta a maioria das cidades dessa região. A principal conclusão foi a de dar apoio a um projeto de emenda constitucional do senador Romeu Tuma, que atribui poder de polícia às Guardas Municipais, hoje com atividades restritas à segurança de instalações públicas dos municípios. Trata-se de uma velha e equivocada reivindicação de algumas cidades que resolveram investir na segurança, imaginando que poderiam afetá-la significativamente com a ação de guardas municipais nas ruas.
Muitas Guardas Municipais já vêm atuando – ao arrepio da lei – como se tivessem o poder de polícia, mas não conseguem demonstrar resultados compatíveis com seus altos custos. E por que acreditar que essas polícias municipais serão tão ou mais eficientes que as polícias estaduais existentes para controlar o crime? Há uma idéia simplória de que a prevenção da violência pode ser melhorada espalhando mais pessoal uniformizado pela cidade com rondas motorizadas, subestimando a complexidade da organização, treinamento, supervisão e formulação de estratégias e táticas de eficácia do policiamento ostensivo. O policiamento ostensivo moderno demanda novos fundamentos operacionais – como o planejamento baseado em análise criminal, articulação do policiamento ostensivo com operações de investigação, técnicas de gerenciamento de crises – que tanto o senador Tuma quanto as Guardas Municipais desconhecem.
Não é à toa que o preparo de supervisores para o policiamento demanda quase 2 mil horas de treinamento para sargentos e mais de 6 mil horas para tenentes na PM, com custos inimagináveis para qualquer município. Se a idéia da municipalização da polícia é tão interessante, então por que o projeto não admite a possibilidade de que as grandes cidades façam todo o trabalho policial, incluindo as próprias delegacias, equipes de investigação e guarda de presos provisórios? Os prefeitos parecem não perceber que podem contribuir significativamente para a segurança de suas cidades coibindo bares irregulares e camelôs que vendem produtos de contrabando e falsificação, além de investimentos em programas sociais competentes que podem fazer muito pela prevenção da violência, principalmente quando abrangem jovens em situações de risco. Uma polícia municipal pode ser um problema sério no interior de Estados onde o coronelismo ainda é vigoroso e é frágil a vigilância da grande imprensa e do Ministério Público.
E, quem vai controlar centenas de polícias no País, se já é tão complicado melhorar a eficiência das existentes, bem como lidar com seus problemas de violência e corrupção? Com mais uma polícia estaremos assistindo a uma inútil e dispendiosa disputa por poder que levará a inconvenientes confrontos entre as três polícias sem garantia de ganhos na segurança pública. Com a concessão do poder de polícia aos guardas municipais, muitos governadores podem deixar de investir em efetivos e viaturas nas cidades que já disponham desse serviço, principalmente naquelas em que houver animosidade política com os prefeitos, que ficarão com o ônus da segurança pública. Guardas Municipais sem o preparo adequado poderão ser estimuladas ao confronto por prefeitos mal investidos da função de chefe da polícia, com ameaças à liberdade e à vida tanto de cidadãos como de guardas.
O planejamento das ações policiais vai ganhar complexidade, pois todos dependerão do estudo do banco de dados criminais e os policiais militares terão de dividir com guardas municipais, num difícil entendimento, as estratégias e locais de aplicação do policiamento ostensivo, coordenados com as ações de investigação da Polícia Civil. O que as autoridades e o oportunismo político estão deixando de considerar é que ter ou não ter polícia não pode ser uma opção do poder público, seja estadual ou municipal. Polícia é um dever do Estado, em instância estadual ou municipal, e isso deve estar claramente estabelecido nas leis, para definir responsabilidades e prevenir da habitual descontinuidade das administrações públicas.
Tudo isso, em matéria de segurança pública, tem de ser tratado com a máxima seriedade.